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Vamos falar sobre Teologia?

Discorrer acerca de Teologia, geralmente, traz à mente a religião cristã e o sacerdócio – não necessariamente cristão, mas algum posto de liderança religiosa. Parte disto se dá pela predominância, ou hegemonia, do modelo cristão e eurocentrado sob a sociedade dita ocidental. Contudo a realidade é muito mais ampla que este senso comum.

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Por outro lado, para se discutir Teologia e ir um passo além deste senso comum faz-se necessária a observância à algumas limitações, afinal o termo “teologia” fora originalmente cunhado em um determinado contexto, imerso numa determinada cultura, com sua própria visão de mundo e também com as próprias limitações da língua falada naquela época e naquele local.

Assim, a começar pela palavra: “teologia”. Etimologicamente, a palavra surge do idioma grego a partir da junção de “theos” + “logia”. A primeira parte, “theos”, significa Deus. E a segunda parte, “logia” é uma palavra relacionada à “logos” – razão, raciocínio – e  que se refere à algo como “enunciado”. Portanto, é possível simplificar o significado da “teologia” em algo como “raciocinar sobre Deus”, ou “estudo sobre Deus”. Tal qual, por exemplo, a “biologia” seria o estudo sobre vida, no sentido de seres vivos, e a psicologia o estudo sobre a psiquê. Definido o “objeto de estudo” Deus, cabe a pergunta: 

Com tantas religiões, que Deus a Teologia estuda ou Deus é um só? 

Na verdade, Teologia não estuda Deus. Estuda o sistema de crenças e valores acerca de uma religião, ou grupo religioso. Estuda sua história, o surgimento ou manifestações daquela forma religiosa, a relação com a sociedade em que se está inserida, a forma de pensar e consequentemente de agir das pessoas que professam tal fé, os principais valores do grupo religioso em questão entre outros pontos.

Para se estudar a Teologia de uma religião não é necessário aderir à religião estudada. Estudar Teologia é fazer uma ciência que dialoga com várias outras ciências como Antropologia, História, Psicologia, Sociologia, Música, Direito entre outras áreas de conhecimento. O conjunto de ciências que comporão a Teologia variam de acordo com a religião em questão.

Até aqui, então, é possível notar que “Teologia” é a disciplina que se debruça sob aquilo que é mundano e está ao redor de Deus, além de Suas definições e conceitos de onde partem o que é estruturante para aquela religiosidade.

Deus não é a figura central da teologia?

Não necessariamente.

Adentrando um pouquinho mais no conceito da teologia, mas ainda em termos mais linguísticos, vale refletir acerca do que é “Deus”. Assim como já explicado, a teologia, ou melhor, as teologias, estudam os diversos sistemas religiosos. Portanto, “teologia” é um conceito que abarca muito além de sua definição literal, “Deus” também pode ser entendido assim. 

Deus pode ser entendido além de sua definição literal apenas por conta da limitação linguística. É muito comum entender, por exemplo, Ogum, Krishna, Thor entre outros como Deuses. Mas, alguém diz que Deus é um Orixá, um Deva ou algo que não o próprio Deus? Esta assimetria, que carrega também alguns preconceitos, se dá pelo fato de que o repertório para compreender o que é “Ogum”, por exemplo, parte de uma construção social atual prévia do que é “Deus”. 

E para explicar melhor como isto ocorre e reflete na atualidade, basta imaginar – ou buscar o conhecimento  sobre – algum povo em um período anterior à colonização. Supondo que este povo fosse um povo indígena, a palavra “Deus” não faria parte de seu repertório. Assim como palavras como “omnipresente”, “omnisciente” e “omnipotente” que são conceitos que foram atribuídos à Deus pelo Vaticano muito recentemente, historicamente falando.

Porém, para este povo, talvez Nhanderú estivesse no repertório deste povo. O colonizador diz que Nhanderú é um Deus, assim como diz que Ogum, e qualquer ou Orixá, é um Deus, Hanuman e tudo mais pelo mundo também. Eis o centrismo cristão europeu, afinal o colonizador é europeu e cristão, que se põe como referencial e também impôs seu idioma.

Logo, Deus pode ser apenas uma palavra para simplificar conceitos mais amplos. Mas, vale sempre ter em mente – e quando possível, na prática – uma abordagem que se distancie da colonizada. E termos Deus como Deus, Olorum como Olorum, Nzambi como Nzambi e assim por diante. O que não é nenhum impedimento para se ter fé, ou crença, simultaneamente em Deus, Olorum, Buda, Alá… Importante notar que em termos da fé individual ou de algumas seitas, é bastante comum encontrar este tipo de caso, principalmente pelo fato das questões de fé se difundirem mais facilmente que o pensamento teológico. Além de que, a fé atinge lugares e sentidos pessoais, diferentemente de um estudo estruturado como a Teologia.

Então existe diferença entre uma Teologia aplicada a Deus e outra aplicada a Orixá?

Conforme já mencionado, Deus e Orixá possuem conceitos que não são totalmente iguais. Deus é retratado na Bíblia.  E para as religiões cuja base é este um livro sagrado, no estudo da Bíblia que fiéis encontram respostas para suas questões do dia-a-dia. Eis a fé. A teologia, além disso, estudaria a origem dos textos, poderia procurar justificar tal interpretação de alguma passagem de algum forma específica em detrimento de outra, através dos estudos dos textos antigos poderia auxiliar a dar respostas aos fiéis de questões atuais. 

Já as religiões afro-brasileiras são fruto da oralidade, nos mitos, da história dos povos negros, da musicalidade, das diásporas de corpos, costumes, crenças, hábitos, Orixás, Nkises e Voduns, da dança, do oráculo, da culinária entre tantos outros elementos constituintes da religião e que, em tese, orientam a vida das pessoas que seguem tal fé. E nestes elementos que se calca tal Teologia. Teologicamente, no cerne destas religiões não há Deus, assim como não há Diabo.

E o sentido prático do motivo de se distinguir tais universos pode ser exemplificado na imagem da cruz destacada nesta publicação. Para alguns, vê-se o símbolo do cristianismo. Para outros, pode-se ver a encruzilhada de Exu, que é também Orixá da comunicação 😉. E aqui, fica o convite para a reflexão de tantas outras diferenças mais é possível encontrar e que mostram uma enorme riqueza das religiões afro-brasileiras e o quanto ganhamos expandindo nossa visão de mundo e quão vasto é  nosso aprendizado com os mais antigos.

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