Nesta entrevista, a conversa foi com o Professor Anderson Costa, que além de nos contar um pouco a respeito de tópicos muito interessantes sobre educação antirracista, nos traz também diversas informações sobre a Nova Frente Negra Brasileira, organização política a qual é integrante como coordenador nacional. Esta organização advém da Frente Negra Brasileira, o primeiro partido político com propósito de representação da população negra.
Como o senhor chegou à Educação? E, mais especificamente, à Educação Antirracista?
A Educação chegou em minha vida como um presente divino. Nem achava que iria me apaixonar tanto. Porém, quando entrei numa sala de EJA, com 23 anos, vi como aquelas e aqueles estudantes, bem mais velho que eu, me olhavam. Um olhar que parecia dizer:
Como, com tão pouca idade ele chegou aqui? Creio que ele sabe demais! Será que ele terá domínio da sala, quanto à disciplina? Ué, achei que fosse aluno! Quem será esse pretinho?
Enfim, ouvi as perguntas sem que ninguém tivesse balbuciado absolutamente nada. Desta, percebi literalmente a responsabilidade em minhas mãos. O “pouco que sabia”, entendi que deveria estudar mais e mais para ajudá-los. Logo, o amor fraternal e a Matemática me seduziram.
A Educação Antirracista veio no momento que eu lia o livro de René Descartes, “O discurso do método”. Neste livro, Descartes propõe o método dedutivo, que contava apenas com a racionalidade e questionamentos, para acessar o conhecimento. Tem como base principal a elaboração racional de hipóteses com a experimentação. No seu entendimento, pessoas pretas não têm alma e se quer condições para usar a razão. Esta razão é que faz um ser pensante. Seres pensantes são mais humanos que outras categorias de humanos. Enfim, a filosofia foi dando lugar aos números. Nos livros de Matemática ao qual fazia minhas pesquisas, não haviam citações ou contribuições tecnológicas ou matemáticas das personagens pretas antes, durante e no percorrer da história humana. Percebi que o apagamento era proposital. Desde então,
compreendi que para falar sobre “Educação Antirracista”, necessitava de ter conhecimentos filosófico-histórico-matemático, para dar profundidade que o tema pedia e pede. Pois, a estrutura do racismo é quase que perfeita, complexa e deveras ardilosa.
Professor Anderson Costa
Assim como Descarte, outros filósofos iluministas foram pela mesma linha do racismo científico, apoiado é claro, por todas as atrocidades da igreja católica.
Instituições de ensino redor do globo por onde estudaram membros de realezas, pessoas que vieram a se tornar artistas de fama internacional, grandes lideranças políticas, comandantes de grandes corporações baseiam-se em métodos de ensino que levam nomes europeus. Contudo, quase não se fala de uma metodologia africana anterior a todas estas: Kindezi. Menos ainda falam-se de que muitos dos estudos europeus na área de educação beberam desta fonte. Quais suas considerações a esse respeito?
É importante reconhecer e valorizar a diversidade de abordagens pedagógicas e metodologias de ensino existentes em diferentes culturas e regiões do mundo, incluindo a metodologia africana do Kindezi. Muitas vezes, a história e contribuições da educação africana são ignoradas e negligenciadas em detrimento de modelos de ensino europeus. É fundamental que as instituições de ensino ampliem seu conhecimento e adotem uma perspectiva mais inclusiva e diversificada em relação às metodologias de ensino, reconhecendo e valorizando a riqueza e a diversidade da educação em todo o mundo.
Logo, este reconhecimento deve ou deveria passar pela Academia. É lá que as/os Pedagogos(as) saem com as impressões pré-estabelecidas e eurocentradas, para passar os conhecimentos aos pequenos.
Na visão do senhor, há correlação entre Kindezi e Paulo Freire? E quanto à alfabetização de jovens e adultos?
Sim, há correlação entre Kindezi e Paulo Freire, uma vez que ambos se baseiam em uma abordagem pedagógica crítica e emancipatória, que valoriza o conhecimento e a cultura das comunidades em que estão inseridos e buscam promover uma educação transformadora e libertadora.
No que se refere à alfabetização de jovens e adultos, tanto Kindezi quanto Paulo Freire reconhecem a importância de contextualizar a educação e a alfabetização no contexto da vida e das necessidades cotidianas dos alunos, respeitando seus saberes e valores culturais e promovendo sua capacitação crítica e emancipatória. Ambos os modelos de alfabetização buscam combater o analfabetismo e a exclusão social por meio da valorização e fortalecimento da identidade cultural e da capacitação dos indivíduos para a participação plena na sociedade.
Kindezi e a Lei 10.639/03 podem se cruzar? Se sim, como isto poderia refletir-se em politização e emancipação do povo negro do Brasil?
O Kindezi, termo criado pela educadora Petronília Beatriz Gonçalves, com abordagem epistemológica de “Afrocentricidade” pedagógica, baseada na cultura africana, pode ser um instrumento eficaz para implementar a Lei 10.639/03, que exige a inclusão da história e cultura afro-brasileira no currículo escolar. Ao promover a valorização da cultura e história africana, tanto o Kindezi quanto a Lei 10.639/03 podem contribuir para a politização e emancipação do povo negro do Brasil, ao combater estereótipos e preconceitos e promover uma compreensão mais ampla e positiva da cultura e história afro-brasileira. Incluo a esta abordagem, as tecnologias matemáticas que impulsionaram a grandeza dos reinos africanos pré-colonial. É antes deste ponto que a Matemática Africana se inicia. Em tese, há quase 30 mil anos atrás.
O senhor, atualmente, integra a Coordenação Nacional da Nova Frete Negra Brasileira, correto? Antes de nos falar um pouco a respeito disso, poderia, por gentileza, nos dizer o que foi a Frente Negra, do surgimento ao fim?
A Frente Negra foi uma importante organização política e social criada em 1931, na cidade de São Paulo, durante o período conhecido como Era Vargas. Seu objetivo era promover a luta contra o racismo e a discriminação racial, além de buscar a integração dos negros na sociedade brasileira. Atuou em diversas frentes, promovendo a educação, cultura, esportes e ações sociais para a população negra, além de lutar por direitos civis e políticos. A organização alcançou grande visibilidade e mobilizou um grande número de pessoas, incluindo intelectuais, políticos e líderes religiosos. No entanto, a Frente Negra enfrentou diversos obstáculos e conflitos internos, que culminaram em sua dissolução em 1937, com a instauração do Estado Novo. A organização deixou um legado importante na luta contra o racismo e a discriminação racial no Brasil, e inspirou movimentos e organizações que surgiram posteriormente.
Quais foram os principais legados, em níveis nacional e internacionais, da Frente Negra Brasileira?
- Contribuições para a luta pelos direitos civis e políticos da população negra brasileira, incluindo a luta contra o racismo e a discriminação racial;
- Incentivo à cultura negra brasileira e promoção da identidade e orgulho negro, além da valorização da história e das tradições africanas;
- Atuação em áreas como educação, saúde, esporte e cultura, buscando promover a inclusão e a igualdade de oportunidades para a população negra;
- Inspiração para a criação de outras organizações e movimentos negros no Brasil e em outros países, tendo influenciado também movimentos de independência africana e de luta contra o colonialismo;
- Contribuição para o surgimento de líderes negros importantes no cenário político brasileiro, como Abdias do Nascimento e Carolina Maria de Jesus;
- Inspiração para criação do Partido Panteras Negra.
O senhor concorda que o Partido Panteras Negras se faz muito mais presente no imaginário do Brasil, inclusive na cultura pop, do que a Frente Negra Brasileira, e por quê?
Sim, é verdade que o Partido dos Panteras Negras é mais presente no imaginário do brasileiros, que a Frente Negra Brasileira. Isso ocorreu, em parte, porque o Partido dos Panteras Negras foi uma organização mais incisiva, que teve grande destaque nos Estados Unidos na década de 1960. Nessa mesma época, a cultura pop, com suas imagens e símbolos foi utilizada em diversos meios como, cinema, na música e na moda. Também a força armada se fez presente para o enfrentamento contra o racismo. Além disso, é um movimento afrocentrado com ideais e ideias propagadas por Marcus Garvey. Especialmente no que se refere à valorização da identidade e da cultura negra, na busca pela independência política e econômica da população negra.
Como foi surgimento da Nova Frente Brasileira? Quais as principais lideranças?
Surgiu da necessidade de revisitar como o nosso povo se articulava politicamente para dar voz aos nossos apelos mais pontuais. Somos um coletivo formado por negras e negros ativistas de vários movimentos sociais, trabalhadores e trabalhadoras, intelectuais, articulistas, estudantes, formadores de opinião, empreendedores, entre outras formas de atuação na sociedade, interessados em transformar a realidade social, econômica e política da população negra do Brasil. A Nova Frente Negra Brasileira (NFNB) foi apresentada oficialmente à sociedade no dia 16 de setembro de 2017 durante um ato público que contou com a distribuição do Manifesto da NFNB na Praça da Liberdade, que no século 19 era chamada Praça da Forca, onde foram condenados, mortos e enterrados homens e mulheres escravizados que lutaram por sua independência. Após uma caminhada, o Manifesto foi lido novamente na porta da Casa de Portugal, onde foi fundada a Frente Negra Brasileira, em 1931. É com esse espírito de luta, consciência e de busca por uma sociedade mais justa e igualitária que a Nova Frente Negra Brasileira proclama seu nascimento e conclama a nação brasileira a juntar-se a nós nesse grande desafio. Estamos em 17 Unidades Federais. Temos a nossa Presidenta Zeferina, do Estado do Espírito Santo (ES), Sérgio Laurentino, (BA), Tadeu Kaçula, Mônica Costa, Anderson Balbino, Anderson Costa e outras e outros articulistas.
Qual a ideologia predominante no partido? Quais as principais pautas defendidas e, na sua visão, qual o panorama destas pautas no cenário atual do Brasil?
Ainda não temos e não somos um Partido Político. Há uma fortíssima intenção. Para isso, estamos nos articulando nacionalmente e fazendo encontros nacionais para o fortalecimento de nossas bases. Nossa ideologia é predominantemente Afrocentrada, progressista comprometida e empenhada na tarefa de colocar os interesses da população negra na cena política nacional, respeitando as diferentes vertentes, e buscando fortalecer o que nos une. A intenção maior é dar um passo assertivo na superação da atomização e dispersão das correntes classistas e dos movimentos sociais.
Quais tem sido as ações da Nova Frente Negra Brasileira, atualmente?
Irei enumerar algumas ações:
- Apoio a Rede Humanitária, na distribuição de mais de 500 cestas básicas;
- 7 encontros Nacionais (SP, RJ, BA, SC, RN, DF, ES) abordando diversos temas relevantes ao povo Preto, com apoio da FES (Fundação Friedrich Ebert). Fundação Internacional Alemã;
- Debates-Papo com candidatos ao Senado, Assembleia Legislativa, Câmara Municipal, Prefeitura, Governo de Estado e Presidência da República;
- Trabalho para pautas pretas no FUNDEB, debatendo com o Relator Felipe Rigoni (PSB-ES), o qual acolheu nossos pedido. Hoje, com o novo governo, conseguimos colocar 3 expoentes (doutoras) pretas no Ministério da Educação;
- Reforma da Presidência Social no Senado Federal, onde colocamos 16 proposições, em que todas foram aceitas e contempladas;
- Observatório das Favelas, a Redes da Mare, o IPAD e a UniPeriferias, que, juntamente com aNova Frente Negra Brasileira, oColetivo Nacional de Entidades Negras, Sociedades Protetora dos Desvalidos;
- Rede Luiza Mahin de (Trans)Formação Política para Jovens Lideranças Periféricas, entre outros…
E para quem quiser conversar mais com o senhor a respeito de Educação, ou se inteirar mais acerca da Nova Frente Negra, quais seriam os contatos?
A Nova Frente Negra Brasileira pode ser encontrada no Instagram, Facebook e também pode ser contatada por e-mail.